Com chave do futebol, Pelaipe avisa: ‘Quem não se enquadrar, não joga’
Diretor executivo diz que vai implantar cartilha para os jogadores, promete rigor nas cobranças e salários em dia
Ao completar 18 anos, Paulo Pelaipe recebeu do pai a chave de casa. A partir daquele momento, Seu Adão permitiria ao filho chegar até as 23h30m. Nem um minuto além. Aos 21, o rigoroso controle do horário acabou, mas a disciplina ficou como herança. Aos 61 anos, Pelaipe, pai de Paulo Júnior, de 26, e Rodrigo, de 20, não chega ao ponto de repetir Adão, falecido há 22 anos, mas não abre mão do rigor com os filhos.
- Sou disciplinador com eles porque meu pai me ensinou. Educo meus filhos para terem respeito com as pessoas. Sou um homem que respeita a hierarquia. No Flamengo, vou respeitar o meu vice-presidente de futebol (Wallim Vasconcellos). Não farei nada sem falar com ele, não farei nada sem falar com o presidente (Eduardo Bandeira de Mello) e com os gestores do clube. Uma casa que não tem comando e hierarquia desaba. Você tem que ter disciplina.
De Bandeira de Mello e Wallim Vasconcellos Pelaipe recebeu a chave do vestiário do Flamengo e a missão de assumir o futebol do clube e montar uma equipe forte e vencedora para 2013. Com dois anos de contrato, ele espera ter tempo para tocar o projeto. Apresentado na terça-feira passada, o dirigente já começou a tomar decisões importantes no departamento e faz contato direto com empresários em busca de reforços de peso. Pelaipe não quer atletas que apenas completem o grupo.
O foco na disciplina talvez seja a sua maior bandeira. No dia 3 de janeiro, data da reapresentação dos atletas para a pré-temporada, todos receberão o novo regulamento interno. Pelaipe avisa que ele terá de ser cumprido à risca.
- O regulamento será lido pelo supervisor do clube junto com o treinador. Não abro mão da cartilha, e ela vai ser obedecida. Quem não se enquadrar, não vai jogar no Flamengo. Nós não abrimos mão. Eu, Wallim, o grupo gestor, o presidente. O jogador tem que ter comprometimento, tem que ser profissional. Ele recebe bons salários, tem que saber os compromissos que tem, tem que jogar comprometido com o Flamengo, representando a maior torcida do futebol brasileiro. Não é passeio, não é brinquedo, é profissional. O clube tem regras.
Em 2012, o Flamengo teve uma experiência frustrada com um regulamento interno. Jairo dos Santos ocupou o cargo de gerente de futebol do clube durante três meses. Nesse tempo, o dirigente causou polêmica entre os jogadores ao tentar implantar uma cartilha na qual, entre outras diretrizes, cobrava profissionalismo com as seguintes frases: "Tenha garra e força de vontade para deitar cedo e cumprir as atividades propostas... Não nos decepcione. Esteja em forma". Ele chegou ao clube num momento conturbado, depois da demissão de Vanderlei Luxemburgo e Isaías Tinoco. A cartilha chegou a ser motivo de piada entre os jogadores. Alguns fizeram pequenos aviões de papel com ela.
Para cobrar dos jogadores, Pelaipe promete salários em dia. Algumas questões importantes estão pendentes. As principais: as permanências de Zinho e Dorival Júnior. A função de gerente foi oferecida ao atual diretor, que teria de aceitar reduzir consideravelmente o seu salário para continuar. Já o treinador vai ouvir que de Pelaipe que a comissão técnica sofrerá mudanças, o que diminui a chance de Dorival ficar.
Os primeiros dias de Paulo Pelaipe no Flamengo têm sido intensos. Os telefones não param de tocar, as reuniões nunca têm hora para acabar e o tempo para montar um novo time é curto. O ponteiro do relógio do homem forte do futebol do Flamengo parece correr mais rápido.
- São poucos dias de trabalho. Não tenho uma vara mágica para chegar e dizer que um jogador está contratado. Estou muito tranquilo, muito seguro de que vamos ter um time forte, competitivo.
Abaixo, os principais trechos da entrevista:
Acerto com o Flamengo
- Tenho contrato de dois anos com o Flamengo, não existe multa rescisória porque eu confio no meu trabalho. Não vim aqui para fazer uma aventura. Sou bem-sucedido na vida, tenho uma família estabilizada, uma mulher maravilhosa (Odete), dois filhos. Minha família vem para cá em março. Não fiz exigências salariais, disse para o pessoal que eu quero ter bonificação quando o Flamengo for campeão. Vou trabalhar por títulos, por conquistas. Essa é a mentalidade. Isso me dá tranquilidade. No futebol, se a pressão externa entrar no vestiário, você não consegue trabalhar se não tiver condição. Tem que saber o que precisa, os objetivos, perseguir aquilo que você quer.
Primeiras impressões
- Está bem, é do futebol. Estou satisfeito, feliz. A única coisa que falta é ter um local para trabalhar, estou trabalhando no hotel porque tem a transição. Isso dificulta um pouco porque só vamos poder entrar no Flamengo dia 2, quando o presidente assumir. Só essa pequena dificuldade. Sempre é bom estar no local de trabalho, ambientando com as pessoas, chamando, falando, fazendo reuniões. Estamos trabalhando forte.
Panorama do futebol do Flamengo
- Estamos trabalhando, estou tomando ciência das coisas. A estrutura do futebol é boa, bons funcionários, profissionais de primeira linha no futebol brasileiro, de fisiologia, fisioterapia, departamento médico. A estrutura física em termos de pessoal é boa. Agora vamos colocar em prática a maneira como trabalhamos. Não abro mão da disciplina, do comando. O vestiário tem que ter uma voz de comando. Não adianta ter várias vozes. Vamos começar a nos reunir na segunda-feira, esses primeiros dias foram de conhecimento da estrutura, das pessoas, tenho recebido todo apoio. Em junho de 2012, você tem que começa a projetar a temporada de 2013. Vai jogando as competições vê o que necessita, faz contatos, vê quando os contratos dos jogadores terminam, qual pode vir para o seu clube. Quando falo que o Flamengo está iniciando atrás é em função disso.
Busca por reforços
- Já estou fazendo os contatos com empresários. O Flamengo iniciou um pouco tarde, mas o torcedor vai entender. O presidente só assume dia 2 de janeiro, está tudo em cima. Temos que ter um comprometimento com o jogador muito mais na palavra para fazer negociações a partir do dia 2. Estou conseguindo isso, tenho credibilidade com os profissionais que trabalham no futebol. Alguns casos estão bem encaminhados, acredito que no decorrer dessa semana evolua mais ainda. Tenho certeza de que vamos alcançar os objetivos que nós traçamos. Vamos fazer um time competitivo, forte. Essa sim é a situação do Flamengo. É importante dizer que temos de implantar regras, cada um respeitar o espaço do outro, vamos fazer um futebol fechado. Nesses primeiros dias vejo que está fechado. Tenho visto isso pelas especulações. Os nomes que saem na imprensa são completamente diferentes daqueles que estamos conversando. Uma coisa é buscar jogador salvador da pátria. Outra coisa é buscar um jogador que você vai colocando aos poucos, faz a adaptação física, a camisa do Flamengo pesa. E pesa muito. Por mais experiência que o jogador tenha, mais vivência em equipes, quando bota o manto sagrado pesa e pesa muito. Ele vai ser cobrado, exigido. Isso acontece com um jogador calejado, imagina um jovem. O Flamengo tem sua característica de jogar, mas hoje o futebol exige força e velocidade. Nós queremos contratar jogadores para ser titulares, por isso pode demorar um pouco mais.
Escolha dos novos jogadores
- Nós sabemos o que o Flamengo precisa. O Dorival já falou com o Zinho das necessidades e das carências do Flamengo. Eu tenho o maior respeito pelos profissionais, vamos trabalhar juntos. No futebol vamos trabalhar com diálogo. Wallim, que é o vice de futebol, e eu vamos conversar com o treinador, temos de ter alternativas. O treinador quer o jogador, mas se não der certo? Quanto mais conversarmos, diminui o risco do erro. Ninguém no futebol é dono da verdade. Vamos conversar e ajustar para chegar a um denominador comum. A palavra do treinador é importantíssima, prevalece, quem vai botar o jogador é ele. Mas se um dirigente chega e contrata o Neymar, qual dirigente não vai querer? Aí o treinador tem que ser internado. A situação é exatamente essa. Sempre conversar, dialogar, temos contatos com os maiores empresários do futebol brasileiro, livre trânsito, não tenho preferência por empresário. As pessoas têm que entender que com a Lei Pelé os empresários ganharam espaço. Se não conversar com o empresário, você não contrata jogador. Temos saber quais são os empresários que têm os melhores jogadores. Nós temos que estar no contexto da realidade.
Dificuldades financeiras para contratar
- Nós estamos conversando, estamos dialogando, trazendo parceiros para o Flamengo, vamos fazer parcerias. A credibilidade que a diretoria tem, com executivos bem-sucedidos, isso nós vamos conversar com parceiros, com investidores. Hoje em dia existem muitos investidores no futebol. Estamos no mercado tentando captar investidores. Muitos jogadores que estão nos clubes são de investidores. Daqui a pouco você oferece a camisa do Flamengo e qual investidor que não vai querer trabalhar no Flamengo com esses executivos? Eles têm credibilidade no mercado. O Corinthians, lá em 2008, comprava o jogador de investidores e tinha 30, 40, 50% numa futura negociação. Estamos trabalhando nessa linha. Não só no Flamengo fazer investimento, mas nós trabalharmos com parceiros, investidores. Só que são poucos dias de trabalho. Não tenho uma vara mágica para chegar e dizer que um jogador está contratado. Estou muito tranquilo, muito seguro de que vamos ter um time forte, competitivo. Meu pensamento é que ao longo do primeiro turno (do Carioca) os reforços cheguem. Mas podem chegar antes. Mas jamais vou vender ilusões.
Perfil disciplinador
- Sou disciplinador porque meu pai me ensinou. Educo meus filhos para terem respeito com as pessoas. Sou um homem que respeita a hierarquia. No Flamengo, vou respeitar o meu vice-presidente de futebol (Wallim Vasconcellos). Não farei nada sem falar com ele, não farei nada sem falar com o presidente (Eduardo Bandeira de Mello) e com os gestores do clube. Uma casa que não tem comando e hierarquia desaba. Você tem que ter disciplina. Tem que ter respeito. Eu respeito os profissionais. Fico feliz que vários jogadores que passaram por mim ligaram querendo vir para o Flamengo. Recebi meia dúzia de ligações de jogadores que jogaram comigo e querem vir para o Flamengo.
Cartilha para os atletas
- O regulamento será lido pelo supervisor do clube junto com o treinador. Não abro mão da cartilha, e ela vai ser obedecida. Quem não se enquadrar, não vai jogar no Flamengo. Nós não abrimos mão. Eu, Wallim, o grupo gestor, o presidente. O jogador tem que ter comprometimento, tem que ser profissional. Ele recebe bons salários, tem que saber os compromissos que tem, tem que jogar comprometido com o Flamengo, representando a maior torcida do futebol brasileiro. Não é passeio, não é brinquedo, é profissional. O clube tem regras.
Salários em dia
- O Flamengo vai pagar em dia os salários, é um compromisso do presidente, vamos pagar em dia. O dia que dissermos que vamos pagar, vamos pagar. Mas vamos cobrar. O Wallim conversou comigo e ao longo do ano vamos começar a diminuir os prazos (hoje, os jogadores recebem no dia 25 o salário do mês anterior). Não vamos fazer da noite para o dia, mas ao longo do ano vamos chegar ao que achamos ideal, que é o dia 10 de cada mês. O jogador começa a trabalhar no dia 10 de junho, vai receber dia 10 de julho. Aos poucos, vamos fazer esses ajustes para chegarmos no que as empresas fazem. Não é em janeiro, fevereiro ou março, mas ao longo de 2013. Vamos começar a reduzir os dias para que o mês tenha 30 dias.
Pré-temporada no Ninho
- Está definida e será no centro de treinamento. Os jogadores se apresentam no dia 3 de janeiro, vamos tomar café no hotel, vamos para o treino, os jogadores almoçam lá, treinam à tarde, voltam para o hotel no fim do dia e no próprio andar vão fazer a ceia. O primeiro jogo (do Carioca) será no dia 19, depois continuamos a pré-temporada por mais uma semana.
Homem forte do futebol do Flamengo
- Recebo (o rótulo) com humildade. Eu sou executivo do Flamengo, a figura está crescendo graças ao trabalho de grandes profissionais. A figura do diretor executivo existe há muito tempo na Europa. No Brasil custou a acontecer essa situação. Mas uma das coisas mais importantes é que esse executivo trabalhe e dê sequência. O importante é manter o trabalho, a estrutura, a filosofia. Por isso tem que ter convicção. Se perde dois, três jogos, e muda tudo, nunca vai chegar a um objetivo. Meu contrato no Flamengo é de dois anos, o Flamengo tem preferência numa renovação. Quero fazer um bom trabalho, de médio e longo prazo, porque o Flamengo não pode ser campeão brasileiro num ano e no ano seguinte ficar nas últimas posições da tabela. O time do Flamengo tem que estar sempre na ponta. Você não consegue ganhar tudo sempre, mas tem que disputar títulos. Pode até perder o título, espero que a gente não perca, mas tem que estar disputando. Não pode deixar de existir isso na cultura do Flamengo. Vamos trabalhar para o Flamengo colocar faixa esse ano. Foi com essa determinação que vim para cá. Essa faixa eu quero levar para minha casa e guardar com muito carinho.
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