Liminar da Justiça do Rio impede consórcio de assumir o Maracanã
A juíza Gisela Faria, da 9ª vara de Fazenda Pública do Rio, deu uma liminar na tarde desta sexta-feira impedindo a assinatura do contrato de concessão do Maracanã com o consórcio Odebrecht/IMX/AEG antes que o mérito da ação do Ministério Público que questiona a licitação seja avaliado.
A juíza listou a presença de “ilegalidades” que contaminariam o processo e estabeleceu uma multa de R$ 5 milhões em caso de descumprimento para o governo do Rio de Janeiro, que anunciou que vai recorrer da decisão.
Nesta manhã, o Ministério Público do Rio de Janeiro divulgou que havia recorrido da decisão do Tribunal de Justiça (TJ/RJ), que manteve a licitação para a concessão do Maracanã. O órgão entrou com a ação através do procurador-geral de Justiça, Marfan Martins Vieira. O MP/RJ alega que diversas obras previstas no edital - como a demolição do parque aquático Júlio Delamare e do estádio de atletismo Célio de Barros - não são necessárias para a realização da Copa do Mundo, assim como os Jogos Olímpicos de 2016.
"O resultado é que, nos moldes em que foi elaborado, o projeto de concessão administrativa do Maracanã alterará significativamente todo o entorno do estádio, afetando diretamente os interesses sociais daquela coletividade", diz o texto da juíza, que conclui assim: "A presença de ilegalidades que contaminam a licitação em apreço e, via de consequência, o contrato dela decorrente" (confira a íntegra no final da página).
O órgão também questiona a legalidade da participação da empresa IMX, de Eike Baptista, no processo de licitação, uma vez que foi ela a responsável pelo estudo de viabilidade da concessão. Segundo o Ministério Público, todo o processo favorece a IMX, já que a empresa teve acesso a informações privilegiadas e exclusivas. A baixa rentabilidade do negócio para o governo do Rio de Janeiro é outro ponto abordado na decisão da juíza:
"Atente-se para o fato de que o estudo de viabilidade da IMX indica que a concessão gerará uma receita de R$ 157.025.000,00 anuais para o parceiro privado, dos quais apenas o percentual de 2,86%, que representa R$ 4.500.000,00, seria revertido ao Estado a título de outorga da concessão, enquanto o valor da contraprestação oferecida pelo Estado - para o uso e exploração do entorno - foi estimado pelo mesmo estudo em R$12.015.000,00 . A evidente disparidade entre o valor da referida contraprestação e a torna paga pelo parceiro privado acarretará um prejuízo para o Estado na ordem de R$ 7.065.000,00, sem contar com o pagamento do empréstimo de R$ 400.000.000,00 concedido pelo BNDES para a reforma já efetuada do Maracanã".
No ano passado, durante o lançamento do edital, as receitas e despesas do Maracanã foram estimadas pelo governo. Pelo estudo, o estádio vai gerar R$ 154 milhões por ano e terá um gasto de R$ 50 milhões. A previsão é de que os recursos investidos pelo concessionário sejam quitados em 12 anos. Com isso, o novo gestor teria lucro durante 23 anos do contrato, gerando R$ 2,5 bilhões.
"A conclusão lógica é a de que a contraprestação pública não se mostra imprescindível nem essencial para a viabilidade econômica da transferência da gestão do Maracanã para o parceiro privado, posto que, ainda de acordo com o estudo, representa apenas 12,17% da receita a ser auferida pelo concessionário, que obterá um lucro líquido superior a R$ 47.000.000,00 ano", completa a juíza.
Desde o lançamento do edital, em outubro de 2012, todo o processo de licitação foi marcado por protestos e polêmicas. Na audiência pública para a aprovação do edital, em novembro, estudantes, índios e atletas revoltados com a demolição do Célio de Barros e do Júlio Delamare protestaram no Galpão da Cidadania, na Zona Portuária do Rio de Janeiro, e impediram a realização do evento. Após quase três horas, o governo do Rio deu como encerrada a audiência, e o edital foi aprovado. Em março, após muito tumulto, foi necessário que o Batalhão de Choque da Polícia Militar entrasse em ação para desocupar o Museu do Índio.
Consórcio Maracanã vence todas as fases da licitação
Após sair na frente na disputa, com uma proposta R$ 26,4 milhões superior à do outro concorrente (R$ 181,5 milhões divididos em 33 parcelas R$ 5,5 milhões, contra R$ 155,1 milhões), o “Consórcio Maracanã” também teve a melhor avaliação na disputa técnica. Na segunda fase do processo de licitação, o grupo recebeu 98,26 pontos, contra 94,4624 do "Consórcio Complexo Esportivo e Cultural do Rio de Janeiro" (formado por Construtora OAS S.A., Stadion Amsterdam N.V. e Lagardère Unlimited).
Na quinta-feira, o grupo formado por Odebrecht Participações e Investimentos S.A. (empresa líder, com 90%), IMX Venues e Arena S.A (de propriedade de Eike Batista, com 5%) e AEG Administração de Estádios do Brasil LTDA (também com 5%) apresentou todas as documentações necessárias e acabou habilitado pela Casa Civil para administrar o Complexo do Maracanã pelos próximos 35 anos, a partir do final da Copa das Confederações (a decisão do torneio será em 30 de junho).
Confira a íntegra da decisão da juíza Gisela Faria nesta sexta:
Trata-se de Ação Civil Pública, com pedido liminar, ajuizada pelo Ministério Público em face do Estado do Rio de Janeiro e de IMX Holding S/A, impugnando Concorrência Pública de nº. 03/2013 da Secretaria de Estado da Casa Civil, tendo por objeto a concessão administrativa da gestão, operação e manutenção do Estádio Mario Filho (Maracanã) e do Ginásio Gilberto Cardoso (Maracanãzinho), com obras incidentais, em regime de Parceria Público-Privada. Entre os diversos pedidos liminares, consta a abstenção de celebração de contrato decorrente do referido procedimento licitatório, pleito a ser enfrentado na presente decisão. De início, cabe destacar que, ao contrário do sustentado pelo Estado do Rio de Janeiro, a licitação em apreço afigura-se desinfluente para a realização da Copa das Confederações FIFA Brasil 2013 e da Copa do Mundo FIFA Brasil 2014, consoante esclarecido pelo Gerente Geral do Comitê Regional da FIFA por ocasião de audiência especial realizada em 26.04.2013. Além do mais, eventual deferimento do pedido contido no item 2, da alínea a da inicial, não trará nenhum risco de prejuízo à economia pública, porquanto o Estado do Rio de Janeiro, nos do edital, não efetuou qualquer investimento financeiro relativamente ao objeto da parceira público privada em apreciação. A rigor, o único gasto que recaiu sobre os cofres públicos foi aquele referente às obras de reforma do estádio, inteiramente distinto de possíveis custos concernentes à celebração do contrato de concessão administrativa, restrita tão somente à gestão do Estádio recentemente reinaugurado. Nem mesmo o pagamento do estudo de viabilidade técnica, econômica e jurídica que antecedeu a abertura do procedimento, elaborado pela empresa IMX Holding S/A, recairá sobre o Estado, uma vez que ficará a cargo do licitante vencedor, conforme a cláusula editalícia acima mencionada. Daí se extrai a ofensa ao princípio da isonomia entre os licitantes. Como se verifica dos documentos contidos nos autos, apenas 02 (dois) consórcios participaram do certame, um deles integrado pela IMX - credora dos gastos decorrentes do estudo que elaborou, no valor de 2.300.000,00 (dois milhões trezentos mil reais) - e o outro que, se vencedor, teria que lhe restituir essa importância. Vê-se, portanto, que antes mesmo da apresentação das propostas, já havia quebra do princípio da igualdade entre os concorrentes: um deles arcaria com o ônus de efetuar o pagamento do estudo prévio, enquanto o outro estaria isento, em tese, de se auto ressarcir. Partindo dessa premissa, a legalidade ou ilegalidade do procedimento licitatório ora questionado deverá ser examinada sob o prisma do interesse público posto em lide. Durante longo tempo, a doutrina administrativista sustentou a aplicação indiscriminada do princípio da supremacia do interesse público, fazendo-o incidir sobre toda e qualquer hipótese de litígio entre o Poder Público e o administrado. Contemporaneamente, rechaça-se tal entendimento, ao argumento de que a adequada aferição da prevalência do mencionado princípio deverá ser feita à luz do caso concreto. Isso porque nem sempre o poder público defende os interesses da coletividade quando exerce atividades que lhe são constitucionalmente destinadas, agindo, por vezes, como particular no plano das relações jurídicas de direito privado. É o que nos parece estar ocorrendo na hipótese dos autos ao escolher o modelo de concessão administrativa. Poder-se-ia argumentar que tal escolha estaria coberta pela discricionariedade administrativa, escapando, dessa forma, ao controle jurisdicional. Não obstante, a discricionariedade não pode ser tida como um cheque em branco ao administrador, que dela disporia para realizar as opções que, em sua ótica, seriam as mais adequadas. A liberdade conferida pelo legislador ao gestor público para adoção de medidas que considere convenientes e oportunas esbarra sempre na legalidade e na fiel observância aos princípios vetores da atividade administrativa, entre os quais sobreleva o da moralidade. Daí que discricionariedade não se confunde com arbítrio, sendo dever do administrador submeter-se aos postulados constitucionais do art. 37 da Lei Maior. É exatamente essa a hipótese dos autos. Um projeto de tal monta deveria necessariamente ter sido precedido de audiência pública. Com efeito, é indiscutível que a ordem urbanística se insere no conceito amplo de meio ambiente e, nessa perspectiva, também foi alçada à categoria de direito fundamental, de caráter transindividual, conforme previsão contida no artigo 225 da Constituição da República. No caso em apreciação, o Estado age como se fosse o titular desse direito, exercitando-o segundo suas próprias conveniências. O resultado é que, nos moldes em que foi elaborado, o projeto de concessão administrativa do Maracanã alterará significativamente todo o entorno do estádio, afetando diretamente os interesses sociais daquela coletividade. Some-se ainda que somente o parceiro privado auferirá proveito econômico com as pretendidas modificações do entorno, potencializando a exploração comercial da área, destinando-se os custos da urbanização, ´incluindo duas passarelas sobre as linhas de metro e trem´, aos cofres públicos. A bem da verdade, a própria Procuradoria do Estado já apontava, antes mesmo da publicação do Edital, a flagrante violação ao princípio da informação. Não constou do anexo do instrumento convocatório o indispensável orçamento detalhado dos custos e dos valores a serem investidos pelo concessionário, em total descumprimento ao § 4º do art. 10 da Lei nº 11.079/04 (fls. 602 do procedimento de concessão). Todavia, a Secretaria de Estado da Casa Civil ignorou por completo tal advertência (fl. 616 do procedimento de concessão), mantendo o edital nos moldes originários. A simples leitura da cláusula 21.1 do Edital demonstra que as informações econômico-financeiras disponibilizadas não são precisas, estando baseadas em planilha elaborada pela IMX, da qual constam estimativas genéricas e vagas acerca das despesas de custeio do complexo do Maracanã. Essa insuficiência de especificações impediu a formulação de um orçamento confiável, capaz de autorizar uma proposta de outorga que assegurasse o equilíbrio econômico financeiro do contrato. Atente-se para o fato de que o estudo de viabilidade da IMX indica que a concessão gerará uma receita de R$157.025.000,00 (cento e cinquenta e sete milhões e vinte e cinco mil reais) anuais para o parceiro privado, dos quais apenas o percentual de 2,86% (dois vírgula oitenta e seis), que representa R$ 4.500.000,00 (quatro milhões quinhentos mil reais), seria revertido ao Estado a título de outorga da concessão, enquanto o valor da contraprestação oferecida pelo Estado - para o uso e exploração do entorno - foi estimado pelo mesmo estudo em R$12.015.000,00 (doze milhões e quinze mil reais). A evidente disparidade entre o valor da referida contraprestação e a torna paga pelo parceiro privado acarretará um prejuízo para o Estado na ordem de R$ 7.065.000,00 (sete milhões e sessenta e cinco mil reais), sem contar com o pagamento do empréstimo de R$ 400.000.000,00 (quatrocentos milhões de reais) concedido pelo BNDES para a reforma já efetuada do Maracanã. A conclusão lógica é a de que a contraprestação pública não se mostra imprescindível nem essencial para a viabilidade econômica da transferência da gestão do Maracanã para o parceiro privado, posto que, ainda de acordo com o estudo, representa apenas 12,17% (doze vírgula dezessete por cento) da receita a ser auferida pelo concessionário, que obterá um lucro líquido superior a R$ 47.000.000,00 (quarenta e sete milhões) ano. Certo, nessa linha, o desequilíbrio econômico financeiro do contrato de concessão administrativa em desfavor do Estado. Tanto é assim que a própria Secretaria Estadual de Fazenda alertava para o prejuízo aos cofres públicos, acaso fosse acatado o valor da outorga contido no estudo de viabilidade da IMX (fls. 224 do procedimento de concessão, item 79). Como bem assinalado pelo Ministério Público, ´todas as intervenções efetivamente voltadas à realização do interesse público, seja no Estádio do Maracanã, seja no seu entorno, estão sendo (e continuarão a ser) custeadas com recursos públicos´(fls. 09 da inicial). A título de exemplo, vale citar as alterações previstas para o Maracanãzinho. Destacou o Ministério Público, nesse passo, que ´o particular investe para tornar o Maracanãzinho mais rentável (ainda que mediante a redução da capacidade do ginásio, em afronta às exigências do COI), cabendo ao contribuinte, mais uma vez, pagar as contas da (re)adequação do Maracanãzinho às exigências do Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos, em manifesta lesão ao interesse e ao patrimônio público´(fls. 15 da inicial). Por outro lado, o objeto da licitação não se adequa ao instituto da concessão administrativa. De todos sabido que essa modalidade de contrato visa a prestação de serviço que, em princípio, não possui as características de serviço público, enquanto a concessão patrocinada tem por objeto a execução de um serviço público. Assim, a primeira mais se aproxima de um contrato de serviço por empreitada previsto na Lei nº. 8.666/93, como leciona Maria Sylvia Zanella di Pietro (Direito Administrativo, 25ª edição, São Paulo: ed.Atlas S/A, 2012, p. 319). Resta saber se o projeto poderia ser desenvolvido por meio de contrato de parceria público privada. Nos termos do artigo 2º da Lei 11.079/04, ´parceria público privada é o contrato administrativo de concessão, na modalidade patrocinada ou administrativa´. O § 1º do mesmo dispositivo legal conceitua a concessão patrocinada como sendo a ´concessão de serviços públicos ou de obras públicas de que trata a lei 8.987/95 quando envolver, adicionalmente à tarifa cobrada dos usuários, contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado´. Por sua vez, o § 2º define a concessão administrativa como sendo ´contrato de prestação de serviços de que a administração pública seja a usuária direta ou indireta, ainda que envolva execução de obra ou fornecimento e instalação de bens´. Verifica-se, portanto, que entre uma e outra modalidade de concessão existem pontos comuns, como o compartilhamento dos ganhos econômicos, de forma a reduzir os riscos do empreendimento e assegurar ganhos ao parceiro privado, que deverão ser compartilhados com o poder público e a previsão de contraprestação do parceiro público ao parceiro privado, bem como o equilíbrio econômico-financeiro do contrato. Mais uma vez, o modelo de PPP escolhido contraria a lei de regência. Ao invés de haver compartilhamento de ganhos, a remuneração do Estado prevista no edital se fará mediante o pagamento de quantia anual fixa e, portanto, desvinculada da renda auferida pelo parceiro particular com a gestão do empreendimento. Em outra perspectiva, o artigo 6º, IV da Lei nº 11.079/04 dispõe sobre a possibilidade de outorga de direitos sobre bens públicos dominicais como forma de contraprestação pública. Entretanto, o que se pretende outorgar ao particular na presente concorrência são bens de uso especial, que, para serem demolidos, exigem prévia desafetação. A toda evidência, não se mostra razoável a modificação de um ginásio cuja reforma custou à SUDERJ, em 2007, R$ 90.000.000,00 (noventa milhões de reais), nem tampouco a destruição do Parque Aquático, em que foram dispendidos, no mesmo ano, R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais) dos cofres públicos, ainda mais com a finalidade de construir um estacionamento/garagem que se prestará, unicamente, a aumentar a lucratividade da concessionária, sem que esse ganho seja compartilhado com o Poder Público. Inegável, portanto, a ofensa ao mencionado dispositivo legal. Por todas as questões acima apontadas, que demonstram, initio litis, a presença de ilegalidades que contaminam a licitação em apreço e, via de consequência, o contrato dela decorrente, DEFIRO, ad cautelam, O PEDIDO LIMINAR para determinar que o Estado do Rio de Janeiro se abstenha de celebrar, até o julgamento final da presente demanda, qualquer contrato decorrente da concorrência nº 03/2013 da Casa Civil (item 2, alínea a); de outorgar a terceiros o direito de uso e exploração da área do entorno do Estádio do Maracanã e do Ginásio do Maracanãzinho (alínea b) e exigir do vencedor da licitação o pagamento do preço do estudo prévio (alínea f), sob pena de multa única no valor de R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais), restando prejudicado, em razão do término do procedimento licitatório, o pedido formulado na alínea e. Intime-se para cumprimento, por mandado. Dê-se ciência ao 2º Réu e ao MP. Publique-se.
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